Sei que este blog é auto-biográfico, e costuma receber apenas textos meus. É uma coisa de egocentrismo mesmo – faz parte.
Dessa vez, porém, vou abrir uma exceção: publicarei um texto de dois companheiros do direito. Alguns devem saber: juntos, fazemos parte de um grupo oposicionista – carinhosamente chamado pela direita de “os comuna” – à política dois últimos dois anos do Centro Acadêmico XI de Fevereiro: o CA de Direito da UFSC. Apesar do afável apelido, gostamos de ser chamados de “Grupo Até o Fim – Sem Mais Delongas” (nomes de nossas chapas derrotadas nesses últimos dois anos, da qual nos orgulhamos). Nomes vão e vêm. O importante, mesmo, é o nosso projeto: um outro Centro Acadêmico (e movimento estudantil) é possível. Quem sabe outros posts possam debater essa perspectiva.
A contextualização do texto vai logo a seguir. Algo, no entanto, antes de lê-la, leitor, deve ser reparado: há algo de a-temporal nesse escrito. Não se precisa perder muito tempo (nem fritar muitos neurônios) para se entender o que está em jogo. Em suma: se você não é do Direito, nem da UFSC, não se preocupe: já aconteceu com você também. Esse texto não transmite simplesmente o sentimento de indignação frente a um caso particular e pontual. Há algo de universal nele. Por isso mesmo que a leitura é, mais do que recomendável, obrigatória.
E meus parabéns pro Victor e pra Helena. O espírito do grupo falou por vocês.
—————————————————–
Caríssim@s:
Nos últimos dias, o CAXIF vem divulgando sua festa de final de semestre – que, a julgar pelo cartaz nos corredores e salas, contará com cerveja, churrasco, futebol e… dançarinas exóticas nuas. Em tom de brincadeira ou não, a mensagem é muito clara: mulheres são bem-vindas, mas para agradar aos homens que lá estarão – ou, para o bom uso dos termos consagrados: a objetificação da mulher.
Frente a isso, o Grupo Até o Fim – Sem Mais Delongas, assina o manifesto que segue.
Boa leitura (e boas reflexões!).
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA BABAQUICE
É festa!
Responda, nobre colega: qual dos itens abaixo não pertence ao grupo?
A) Cerveja;
B) Churrasco;
C) Futebol;
D) Dançarinas exóticas nuas.
Caso uma visão de sociedade patriarcal já tenha sido naturalizada por você, caro interlocutor, temos o desprazer de lhe informar que a resposta correta é o item D). Como quem andou errando ultimamente foi o nosso (?) Centro Acadêmico (??) XI de Fevereiro, tecemos algumas considerações que julgamos pertinentes, as quais seguem.
Não, acadêmicos: a questão não é saber se, de fato, as tais dançarinas exóticas nuas estarão disponíveis na festa, tal qual a cerveja será open bar. Mas trata-se de questionar por que razão uma diretoria de Centro Acadêmico – composta, em mais de metade, por homens – sente-se no direito de divulgar uma festa listando, ao lado de artigos como “piscina” e “vodka“, mulheres. Trata-se de perguntar por que não se valer do espaço, dentro da Academia – esse ambiente que pretende compreender a realidade e buscar caminhos para transformá-la –, e fomentar o debate, em vez de exterminá-lo a golpes de machismo.
A resposta parece-nos bem clara. A mulher vista como produto de consumo não é novidade; o machismo de certos acadêmicos e acadêmicas, também não, assim como o patriarcalismo de nossas instituições.
Uma sociedade como a que vivemos desde cedo nos impõe papéis, de acordo com nosso sexo biológico, aos quais devemos respeitar para não sermos discriminados. Homens? Esses são viris, agressivos, competitivos, fortes, racionais, imponentes. Já às mulheres cabe que sejam belas, delicadas, frágeis, passivas, emocionais. Porque não se permite a elas que disputem, como sujeitos, galgar posições em nossa sociedade – não sem prejuízo, não tão facilmente.
É num contexto como esse – da mulher-objeto, da mulher-sexo – que se inclui nossa diretoria do CAXIF em seu papel de reproduzir – e, assim, legitimar – as opressões sexuais existentes. Uma infeliz brincadeirinha de divulgação é capaz de desvelar o que opera por trás da mentalidade da, como eles mesmos se intitulam, “crème-de-la-crème da sociedade catarinense”, e de revelar que não há um projeto real de Universidade que os mova, apenas a reprodução de condições e situações já postas. Não há discussão ou formação, somente o irrefreado desejo pelo dito empreendedorismo inconsequente, através do qual tudo vira mercadoria – inclusive pessoas.
Essa é a Universidade que queremos? Somos representados por um CAXIF a essa maneira? Desejamos viver em meio à miséria do pensamento e à mediocridade da ação que tão claros se revelam? Ou estamos decididos a construir uma nova sociedade?, em que às mulheres seja reconhecido o mesmo valor de qualquer outro ser humano, em que não sejam elas subjugadas a papéis opressivos, em que seja obsceno que as reduzam a objetos ou bens consumíveis de uma festa qualquer.
A construção de uma nova sociedade vai muito além dos debates de gênero, mas também passa por eles. De todo modo, ela não vai à frente contando com a postura irresponsável das pessoas mesmas que, por conta da própria instituição que ocupam, têm a possibilidade e a legitimidade para gerar o diálogo e a elaboração conjunta, com os estudantes, desse novo projeto de sociedade. Infelizmente.
Subscrevemos aqui, pela omissão e pelo descaso, nosso manifesto de repúdio à institucionalização da babaquice por conta de um CAXIF preconceituoso e despreparado.
Aos interessados no debate e na construção da universidade necessária, fica o nosso contato – e o nosso convite.
Grupo Até o Fim – Sem Mais Delongas – Nov/2009.
chapasemmaisdelongas@gmail.com
Primeiramente, adorei o texto, muito embora não tenha prestado a mínima atenção aos cartazes. Enfim, males da nona fase…
Eu realmente adoro questionar o problema do machismo. E muitas vezes me pego pensando quem é mais machista, os homens ou as mulheres. Sim, porque as “popozudas” do CCJ são fruto desse modelo, mas também são reprodutoras (em todos os sentidos da palavra).
Até que ponto uma mulher pode ter auto estima, se achar bonita e sensual, sem passar a ser vulgar e ‘coisificada’?
Será que realmente a maldade está apenas nos olhos de quem vê?
Dilemas do mundo moderno, no qual não temos mais certeza de nada.
Até.
Bjins.
^_~
O melhor de tudo foi ouvir o comentário de um membro da diretoria do CAXIF: “coisa de ‘viado’ isso!”
Ou seja, rebatem uma crítica à uma piada preconceituosa com outro preconceito!
Além do que, a resposta até agora tem se resumido em arrancar os cartazes das paredes do CCJ e até mesmo do mural do CAXIF que, aliás, por ser o mural do CAXIF é mural de TODOS os estudantes de Direito da UFSC, afinal de contas, o CAXIF somos “nozes”!
E aos que dizem que isso não passou de uma brincadeirinha do CAXIF, pergunto se piada sobre negros também se resume a uma mera brincadeirinha inocente (?) ou tem toda uma estrutura social de dominação e exclusão por trás (?)
Parabéns ao Victor e Helena! E parabéns ao Grupo!
beijos.
Parabenizo pelo texto e pelo levantamento crítico de um assunto tão necessário nos dias atuais. O CAXIF sempre apresentou um comportamento infantil e imaturo, desde meus primeiros contatos com essa instituição. O que esperar de um centro acadêmico que mantém um vídeo-game em suas dependências, onde estudantes se entulham para ter acesso à máquina? O que esperar de um centro acadêmico com ares pomposos, que reproduz a velha dogmática opressora do sistema jurídico? Algumas perguntas depois, responderia: nunca esperei nada, diante do que via.
Quanto ao assunto, o questionamento de nosso sistema patriarcal é fundamental. A idéia do homem dominador, seja das mulheres até a natureza, gerou a atual sociedade que vivemos. Desequilibrada, com tendências de extinção. Não concordo com a foto que ilustrou o post. O que precisamos não são de mulheres que precisam se “machificar” para serem reconhecidas. O caminho é o contrário. É a sociedade enxergar que a sensibilidade, o instinto, a paixão, comportamentos esses mais destacados na parte feminina dos seres, é fundamental para um mundo harmônico. As mulheres que “ocupam seu lugar” na sociedade, são aquelas que apresentaram a capacidade de agir dentro do masculino, exibindo comportamentos competitivos, dominadores e racionalizadores. As filosofias orientais já demonstram há alguns séculos a necessidade do equilíbrio entre o masculino e o feminino. Levar tudo para o lado masculino, como se vê na atualidade, reflete em um futuro não muito promissor.
Que fique o lamento pelos ditos do centro acadêmico.
Abraços,
Esse eu li! 😛
Isso é muito esquisito, mas e se eu disser que há semestres atrás houve um campeonato de surfe promovido pelo CA da Psicologia e que para as meninas ia ter um concurso das mais bonitas e coisa e tal, tudo isso na praia!? Hahaha
Agora, o louco é pensar que se o CA é o ‘representante’ de todos os estudantes, resta saber se talvez não seja isso que a maioria quer… Será que a maioria não acha que as meninas são e querem mesmo ser vistas como essas pessoas fúteis e sexuais apenas? Então, se assim prosseguir, será que o CA como representante dos alunos do curso, não deve agir conforme isso? Sei lá… Isso leva a uma reflexão muito mais profunda sobre a função do CA, e eu não consegui, ainda, chegar a alguma conclusão. O negócio vai longe…
A Marina deu um RT e fiquei curiosa, por isso vim aqui ler. Exatamente como minha amiga, não prestei atenção nos cartazes, mas pelo relatado pelo texto, é vergonhoso que isso seja divulgado, seja em tom de piada ou qualquer desculpa que tenham dado. Sei que vcs não são muito fans das festas de Happy Hour e etc, por motivos de ideologia (o CAXIF não serve pra vender cerveja – concordo), mas é preciso arrecadar dinheiro de alguma forma. Agora, fazer uma divulgação deste tipo, para chamar a atenção de forma desprezível me causa constrangimento alheio. E sobre o comentário “coisa de viado”, acho que só pode se dar ao luxo de fazer uma brincadeira como essa pessoas como eu, a Marina e mais uns poucos do CCJ que realmente são amigos de pessoas gays e a piada é realmente uma piada.
Volto logo aqui para comentar mais, mas uma atenção especial ao comentário do Sartoti, logo acima: a crítica preconceituosa da diretoria do CAXIF à nossa “moção” só corrobora com o que discutimos no texto. E fica claro, a partir de manifestações assim, como homofobia e misoginia andam lado a lado em TODAS as situações em que o machismo impera; são duas faces da mesma moeda.
Texto deveras interessante. Infelizmente, não me surpreendo com este tipo boçal de marketing, mesmo quando forjado no contemplado meio acadêmico.
Só aconselho o cuidado quanto a pertinência do tema. Resumir a mulher a um mero instrumento orgástico, pressupor como correta uma ordem cultural que legitima a utilização da mulher como um mero adorno da festa – esta, feita prioritariamente para homens heterossexuais – é sim caso descabido de machismo.
Mas, entretanto, tanto a imagem da mulher-objeto quanto a do homem-objeto não proporcionam o preconceito em si. Quando um pré-adolescente (homem ou mulher) se aventura em sites ou revistas pornográficas, ele não está refletindo o machismo ou femismo socialmente enraizado, muito menos precisa se preocupar com as subjetividades ou complexidades existenciais do objeto analisado para se livrar do preconceito. Sua única relação é a visual, o pré-adolescente em questão está apenas descobrindo sua própria sexualidade.
Analisar o objeto apenas de maneira sexual não é machismo, não só homens os fazem, mas nós mulheres também. A discriminação da tal festa não se deu apenas porque identificou uma mulher como objeto, mas porque resumiu a mulher a isto, porque com a “brincadeira” discriminou as mulheres como público secundário, com função específica de servir sexualmente aos homens da festa.
Argumentei apenas obviedades que o dono deste blog e os autores do texto já devem saber. Mas a estrutura do texto fez transparecer que o problema do cartaz foi ter colocado a mulher como um objeto sexual. Como se filmes pornôs fossem preconceituosos por essência por não se preocuparem com a densidade psicológica das personagens.
Tentem também não se apropriar de uma razão “superior” as demais. A partir de um único e degradante caso de machismo, tecer frases de ordem como: “Essa é a Universidade que queremos?” ou “Um CAXIF despreparado” é exagerado. Preconceitos de todo grau e ordem são abomináveis, mas o enraizamento cultural do machismo não é segredo e aparece em todas as instâncias da universidade, seja reitoria, servidores, coletivos de esquerda, ‘apáticos’ ou de direita (ou direito, rs). Se os algozes de qualquer preconceito se tornam automaticamente incapazes de qualquer reflexão ou preparo, estamos condenados. É evidente que o preconceito crônico não nos impede de enfrentarmos esta triste realidade ferozmente, muito pelo contrário e também tenho plena consciência que a atual gestão do Centro Acadêmico de Direito é merecedora (e com louvor) de tais críticas, só as achei inapropriadas dado a temática do texto.
Isso pode acabar criando uma imagem de militante falso-moralista com postura arrogante campeão de torneios de combatividade oral e teoricista do socialismo das torres de marfim. Eu sei que suas propostas vão na contra-mão deste caminho, portanto, como sei que vocês querem construir uma universidade de diálogo e construção verdadeiramente coletiva, tomem cuidado com este tipo de postura.
Despeço-me com pedido de desculpas, o texto está bom. Minha crítica deveria ter sido pontual e acabou se prolongando devido minha incapacidade de síntese, o que acabou exagerando um discordância que não foi tão grande.
Amigo e companheiro Fernando,
Não sei o que vou escrever, mas já comecei, hehehehe
Acredito que o nosso cartaz foi um sucesso, não do ponto de vista eleitoreiro (o qual não foi intenção), mas do ponto de vista político, no mais nobre sentido dessa palavra.
As pessoas, nesses momentos, se revelam quem realmente são, caindo a máscara. Neste tempo em que as coisas são tão veladas, fizemos algo que não está escrito no gibi.
Abraços, e a luta continua!
Logo quando eu coloco seu blog no meu favoritos, vc não posta mais? Vou deletar ele do meu favoritos hein! hehehehe
abraços